sábado, 9 de fevereiro de 2013

The Naked and the Dead (1958) de Raoul Walsh


Dir-me-ão que é a adaptação da obra homónima de Norman Mailer ao cinema por um dos menos literários realizadores da história do cinema clássico. Poder-me-ão dizer isso, mas, para mim, este é um daqueles casos em que a obra literária é adaptada ao universo de um realizador para produzir nada mais nada menos que um remake. Com efeito, é a primeira vez que eu sinto uma repetição nítida no cinema de Walsh, cineasta que procura sempre transformar-se de filme para filme, mantendo apenas as coordenadas essenciais do "modo de acção" das personagens. Num filme de guerra, num melodrama romântico, num gangster movie ou num western noir, todas as personagens de Walsh "heroicizam-se" numa luta, primeiro consigo mesmas, depois com o meio que as envolve e que se dá a mostrar, na maioria das vezes, como um "mapa vivo" de emoções: do ponto A ao ponto B, um filme de Walsh revela-se, mas sempre a partir de uma luta interior que massacra o protagonista e à qual o espectador é lançado, tantas vezes, in media res - também ele, não só a personagem no espaço, reclama por uma bússola!

"The Naked and the Dead" reedita tudo isto, decalcando - como raras vezes Walsh fez (excepção feita a "Colorado Territory"?), como tantas vezes Ford e Hawks fizeram - o esquema narrativo, temático e dramático de outro filme seu: "Objective, Burma!". Dito de outro modo: aqui, Walsh parece fazer uma coisa impensável, que é "citar-se", "repetir-se" no conteúdo. Salvo pequenas nuances (como os flashbacks, em si pouco walshianos), estamos em território já batido pela câmara de Walsh, nada se acrescenta, apenas se sente uma reserva maior no retrato do inimigo e uma tentativa de pensar mais solenemente sobre as relações de poder no palco da guerra. Mas a solenidade discursiva não combina bem com um cinema não só "de" acção mas "sobre" a acção ou a sua impossibilidade. Eis um Walsh mais político, mais maduro, mas algo irreconhecível ante a pouca atenção dada à construção das (quase anónimas) personagens e à proporcional colagem à "formulação narrativa" de "Objective, Burma!". As mesmas questões filosóficas - sobre o lugar do Homem no conflito bélico - ou políticas - sobre o Poder e a hierarquia militar - sofrem actualizações ou rectificações de postura que não justificam - como deveriam - a realização deste filme.

Apesar de o conseguirmos detectar no ADN de grandes filmes de guerra contemporâneos como "The Thin Red Line", "The Naked and the Dead" parece ser apenas uma versão "actualizada" - não forçosamente "melhorada" - de um filme de grande sucesso de Walsh, algo que ficaria bem a um auteur clássico - como nos esboços de esboços de Hawks ou nas obsessivas repinturas de Ford - mas que acaba por convencer pouco vindo de um puro metteur en scène, isto é, de um realizador que constrói a identidade do seu cinema a partir da relação dinâmica estabelecida entre personagem/actor, câmara/realizador e meio/cenário e não de um esquema conceptual ou molde narrativo prévio. Walsh não esboça ou repinta, Walsh conta sempre da mesma maneira - com as mesmas qualidades, púnhamos assim - histórias diferentes. A sua dimensão autoral estará, quanto muito, na forma como "emoldura" os movimentos das suas personagens. Contudo, nem sempre as suas acções as fazem trilhar caminhos idênticos. Em suma, modos de agir semelhantes, em meios diferentes, podem ter efeitos dissonantes na acção.

Já vimos em análises anteriores como as personagens trocam de pele ou como Walsh nos mostra o percurso da sua ascensão na sociedade ou como lutam com ou se sacrificam por um passado que as persegue, na mente e no espaço... Numa palavra, vimos como estas agem assim, analogamente. Já vimos também como estas ideias se repetem enquadradas por diferentes géneros fílmicos ou até atravessadas por fórmulas narrativas pouco estáveis. A constância em Walsh está na forma pragmática (uma mise en scène mínima, no-nonsense) como revela indivíduos diferentes a interpretarem eticamente da mesma maneira situações sociais, políticas, históricas, dramáticas diferenciadas.

Mas atenção: isto não quer dizer que a partir da dinâmica enunciada, Walsh não acabe por dar de caras com moldes narrativos ou esquemas conceptuais já presentes em outras obras suas... O problema em "The Naked and the Dead" é sentir-se demasiado que o ponto de partida foi invertido: primeiro, mesmo que buscando "de fora", concretamente à prosa de Mailer, duplica-se a base narrativa de "Objective, Burma!" e, depois, procura-se encontrar essa dinâmica... que, lamentavelmente, nunca se vislumbrará em pleno. Para Walsh, a mise en scène é a base da pizza, não os seus ingredientes - aliás, aventuro-me a dizer o contrário de um Hawks ou de um Ford, onde, em regra, a repetição é mais substancial que formal ou, se o leitor não gostar de pizza, tão substancial quanto formal.

Por outro lado, como aponta muito bem Dave Kehr, ao contrário de um Ford ou Hawks, o cinema de Walsh nasce do - e morre no, apetece escrever - individual, não de uma - ou numa - consciência do todo. Constata-se facilmente isso pela relativa repetição de "paisagens" em Ford e Hawks e a permanente rotatividade, indecibilidade, destas nos filmes de Walsh - acontecerá isto porque tudo depende da forma como a acção das personagens vai mexer com o destino que lhes estava, social, politica, historica e dramaticamente, traçado. Walsh, cineasta do impulso e das personagens, muito mais horizontal que qualquer outro cineasta clássico, não convive bem com o eterno retorno às mesmas paisagens ou às mesmas situações. Nele, o remake está nos modos de agir, não nos modos da acção.

PS: Contrariando a referência feita a esta edição italiana (única, no mercado) de "The Naked and the Dead" na última Newsletter do CINEdrio, tenho de assinalar aqui, pondo em risco o grau de rigor desta análise, a péssima qualidade da cópia visionada. Fuja a sete pés deste DVD. Se não viu "The Naked and the Dead", espere por uma outra edição.

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